
REGULAMENTAÇÃO DA HIPNOSE EM MEDICINA
Parecer CFM nº 42/1999
ASSUNTO: Hipnose médica
INTERESSADO: Plenário do Conselho Federal de Medicina
RELATOR: Cons. Paulo Eduardo Behrens Cons. Nei Moreira da Silva
EMENTA: A hipnose é reconhecida como valiosa prática médica, subsidiária de diagnóstico ou de tratamento, devendo ser exercida
por profissionais devidamente qualificados e sob rigorosos critérios éticos. O termo genérico adotado por este Conselho é o de
hipniatria.
PARTE EXPOSITIVA
Ao analisarmos consulta feita a este Plenário sobre a utilização de termos como hipniatria ou hipnoanálise, impressos em
receituários médicos, fizemos considerações acerca da prática da hipnose como valioso elemento auxiliar em diversos tratamentos.
A decisão deste Plenário foi a de apresentar um novo parecer que pudesse subsidiar os conselheiros na análise da pertinência desta
prática, no rol das atividades médicas. Desta forma, foi constituída uma comissão para estudar o assunto, composta pelos
conselheiros Nei Moreira da Silva e Paulo Eduardo Behrens, que, após diversas reuniões com médicos praticantes e interessados na
hipnose e juntada de farto material, passam a apresentar, à apreciação do Plenário, o presente parecer.
PARECER
A hipnose
• Histórico (extraído de trabalho do dr. Mozart Smyth Junior) Com uma grande variedade de nomes, a hipnose é utilizada por
milênios como uma forma de atuar no comportamento humano. Os antigos egípcios (2.000 ac) já utilizavam empiricamente
encantamentos, amuletos, imposição das mãos, sem se darem conta da imaginação e sugestão envolvidas nesses procedimentos.
• Anton Mesmer (1734-1815) desenvolveu a tese do “magnetismo animal” e de que o realinhamento das forças gravitacionais
poderia restaurar a saúde. Seus discípulos entenderam que o processo essencial envolvido era a “sugestão”, algo desenvolvido pelo
próprio indivíduo.
• James Braid (1784-1860) criou o termo hipnose, derivado do grego (hypnos = sono) James Esdaile (1808-1899) realizou várias
intervenções cirúrgicas usando somente a hipnose para produzir efeito anestésico.
• Jean Martin Charcot (1825-1893) notabilizou-se pelas curas hipnóticas da histeria, o que levou ao início do estudo científico da
hipnose.
• Em 1885, Josef Breuer publicou, juntamente com Freud, o famoso caso Anna O. como “Estudo sobre a histeria”. A partir daí, Freud
iniciou a prática da hipnose, sendo, à época, largamente utilizada na Europa.
• O interesse pela hipnose teve seu recrudescimento durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais como forma de tratamento das
neuroses traumáticas de guerra”.
• A Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo, na expectativa de homogeneizar a terminologia adotada pelas diversas correntes,
definiu a seguinte nomenclatura:
• HIPNOSE – Estado de estreitamento de consciência provocado artificialmente, parecido com o sono, mas que dele se distingue
fisiologicamente pelo aparecimento de uma série de fenômenos espontâneos ou decorrentes de estímulos verbais ou de outra
natureza.
• HIPNOLOGIA – Estudo da natureza da hipnose e investigação científica de seus fenômenos e repercussões
• HIPNOTERAPIA – Terapia feita através da hipnose
• HIPNOTISTA – Profissional que pratica a hipnose
• HIPNIATRIA – Procedimento ou ato médico que utiliza a hipnose como parte predominante do conjunto terapêutico
• DEHIPNOTIZAR – Ato de retirar o paciente do transe hipnótico A referida Sociedade observa que o termo mais adequado para o
tratamento médico feito através da hipnose pura ou combinada com fármacos é a hipniatria, solicitando, deste Conselho, a ua
oficialização. Este termo foi criado em 1968 pelos professores Miguel Calille Junior e Antônio Carlos de Moraes Passos, sendo
unanimemente considerado por todas as escolas de hipnose no Brasil.
Esta nomenclatura deveu-se à demanda do Departamento de Hipnologia, numa analogia com algumas especialidades médicas
(Pediatria, Psiquiatria, Foniatria, Fisiatria, etc. ), onde o sufixo latino “iatria”, significa cura. ………
Aspectos científicos
Um breve sumário da utilização da Hipnose Médica, pode ser apresentado nos seguintes grupos:
a. Como uma técnica que promove saúde e exercícios profiláticos em indivíduos sujeitos a e stresse;
b. Como um método através do qual o indivíduo pode controlar funções autonômicas e, deste modo, superar sintomas desagradáveis
ou perturbações autônomas;
c. Como um tratamento para uma ampla variedade de condições psicossomáticas;
d. Como um subsidiário na psicoterapia, liberando memória reprimida e sensações, especialmente produzindo catarse em pacientes
que sofrem de sintomas histéricos;
e. Como um método que alivia dor e induz anestesia.
Um outro agrupamento das aplicações da hipnose foi sugerido pelo dr. Antônio Carlos de Moraes Passos, da Escola Paulista de
Medicina e fundador da Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo:A hipnose tem sido usada:
a. Para o alívio da dor, produzindo anestesia ou analgesia;
b. Nos diferentes setores da clínica e cirurgia, notadamente em obstetrícia;
c. Como tranqüilização para o alívio dos estados de ansiedade a apreensão, qualquer que seja a sua causa;
d. Em qualquer condição na qual a psicoterapia possa ser útil;
e. No controle de alguns hábitos (ex.: tabagismo);
f. Experimentalmente em qualquer pesquisa, no campo psicológico e/ou neurofisiológico, e outros.
Paralelamente, o mesmo autor indica onde a hipnose não deve ser usada:
a. Na remoção de sintomas, sem primeiro se saber a que finalidade servem;
b. Em qualquer condição onde o estado emocional do paciente não foi determinado;
c. Sem objetivo definido, apenas para satisfazer insistentes pedidos do paciente;
d. Para abolir determinadas sensações, a fadiga por exemplo, o que pode levar o paciente a ir além dos limites de sua capacidade
física;
e. Em psicóticos, a hipnose só pode ser usada por um psiquiatra experiente, tendo em conta que não constitui um boa indicação e
pode até ser contra-indicada como na esquizofrenia, em que pesem opiniões contrárias de AA, como Wolberg, Gordon, Worpell,
entre outros.
Praticada essencialmente por médicos, odontólogos e psicólogos a hipnose tem sua principais indicações em: distúrbios, disfunções
sexuais, câncer, cardiologia, gastrenterologia, dependência de drogas entre inúmeras outras aplicações.
CONCLUSÃO
A hipnose é, então, uma forma de diagnose e terapia que deve ser executada tão somente por profissionais devidamente qualificados.
Como terapia, pode ser executada por médicos, odontólogos e psicólogos, em suas estritas áreas de atuação. A hipnose praticada
pelo médico, com fins clínicos, deve cercar-se de todos os aspectos legais e éticos da profissão.
É, por isso, essencial que haja a especificação dos objetivos a serem perseguidos, através da informação aos pacientes, familiares ou
responsável legal. Portanto, sendo reservada a estes profissionais, e até por encerrar complicações e conter contra-indicações, sua
utilização por pessoas leigas configura-se como curandeirismo, ilícito jurídico definido no Código Penal, em seu artigo 282, in verbis
“Exercer curandeirismo:
I – Prescrevendo, ministrando ou aplicando habitualmente qualquer substância;
II – Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III – Fazendo diagnósticos.
Pena, detenção de seis meses a dois anos
Ainda segundo Moraes Passos: “A divulgação da hipnose, principalmente a chamada hipnose de palco, destituída de uma metodologia
científica e executada por pessoas sem as qualificações técnicas e sem a necessária responsabilidade profissional, torna mais
perigosa ainda sua aplicação, maxime pública, como tem sido feito ultimamente nos nossos teatros e estações de televisão.
Nas demonstrações hipnóticas pela TV, foram constatados, de maneira inequívoca, fenômenos de despersonalização, isto é, sugestão
de que o paciente tinha outra identidade, Hitler por exemplo, fenômenos este totalmente contra-indicado do ponto de vista
psiquiátrico, e além do mais, sem o devido apagamento ou volta do estado normal. Correu assim, o paciente, o perigo de continuar
crendo em uma indentidade falsa ou angustiado com uma idéia obsessiva nesse sentido.
Foram comprovados por psiquiatras, hipnose de espectadores de TV em suas próprias residências, à simples assistência dos
referidos espetáculos.”
Concluindo este parecer, entendemos que a Hipnose Médica deve ser considerada prática médica auxiliar ao diagnóstico e à
terapêutica, rigorosamente dentro de critérios éticos.
Entendemos, também, que este Conselho Federal deve recomendar a todos os Regionais especial atenção ao exercício desta prática
por profissionais não-médicos, principalmente em exibições públicas, tomando as medidas policiais e judiciais cabíveis.
É nosso entendimento, ainda, que, em suas respectivas áreas de atuação, a hipnose é uma prática que pode ser utilizada por
odontólogos e psicólogos.
Sugiro que este Conselho atenda à demanda da Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo, adotando, como oficial, o termo
hipniatria para definir o procedimento ou ato médico que utiliza a hipnose no conjunto terapêutico.
É o parecer,
S. M. J. Brasília, 18 de agosto de 1999
Paulo Eduardo Behrens
Nei Moreira da Silva
Aprovado em Sessão Plenária